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Cidades Terça-feira, 24 de Junho de 2025, 23:07 - A | A

24 de Junho de 2025, 23h:07 - A | A

Cidades / EM TRABALHO DE PARTO

Justiça condena frigorífico de Lucas do Rio Verde por omissão após morte de gêmeas na portaria da empresa

Redação Site Agitos Mutum



Uma trabalhadora venezuelana que entrou em trabalho de parto e perdeu as filhas gêmeas na portaria de um frigorífico durante o expediente garantiu na Justiça do Trabalho a condenação da empresa por omissão e negligência. A sentença da 2ª Vara do Trabalho de Lucas do Rio Verde determinou que a empresa pague R$150 mil de indenização pelos danos morais, além das verbas rescisórias, após reconhecer a rescisão indireta do contrato de trabalho.

O caso aconteceu em abril de 2024, quando a trabalhadora, grávida de oito meses, começou a se sentir mal no início da jornada, às 3h40. Com dores intensas, ânsia de vômito, tontura e falta de ar, ela buscou socorro junto à sua líder imediata e ao supervisor. Mesmo após insistentes pedidos, foi impedida de deixar o setor devido ao funcionamento da linha de produção.

Pouco depois, com o agravamento do quadro, dirigiu-se ao supervisor pela última vez e, sem conseguir esperar mais, deixou a linha de trabalho. Sentou-se em um banco no ponto de ônibus na entrada da empresa, na esperança de conseguir condução para ir ao médico. No entanto, já estava em trabalho de parto: sua primeira filha nasceu na portaria da empresa, por volta das 6h30, e faleceu em seguida. Minutos depois, o mesmo ocorreu com a segunda gêmea.

O frigorífico alegou que o parto ocorreu fora de suas instalações, em área pública. Também afirmou que a trabalhadora recusou atendimento pelo setor médico da empresa e que não havia registro de gravidez de risco. Sustentou ainda que a negligência foi da própria empregada, com base no argumento de que o trabalho de parto dura entre 8 e 12 horas.

Mas, documentos e depoimentos apresentados ao processo demonstram que a empresa sabia da gravidez da empregada e havia inclusive alterado o setor dela para uma atividade compatível com a condição de gestante.

Testemunhas relataram que ela buscou apoio de colegas e chefes imediatos, mas não teve acesso ao Serviço Especializado em Engenharia de Segurança e em Medicina do Trabalho (SESMT), conforme prevê a normativa interna da própria empresa. O enfermeiro responsável pela área médica confirmou que o protocolo de atendimento não foi seguido. No mesmo sentido, depoimento da representante do frigorífico confirmou que nem o líder, nem o supervisor e nem a secretária entraram em contato com o SESMT da empresa, apesar de haver normativa interna para isso em caso de incidentes.

Contrariando a defesa da empresa, a técnica de saúde que atuava no frigorífico no dia do ocorrido afirmou na audiência que “não recebeu nenhuma ligação da portaria para ser informada sobre a situação” e o enfermeiro da empresa relatou que no prontuário da trabalhadora consta o exame admissional e outros resultados de consultas de saúde. Porém, a empresa juntou apenas o exame admissional, alegando que não consta serviço médico, exames ou atendimentos relativos à gestação da funcionária.

As gravações das câmeras internas da empresa, juntadas ao processo pela própria defesa, mostram que o parto ocorreu nas dependências do frigorífico. A representante da empresa confirmou em depoimento que a técnica de enfermagem acompanhou a funcionária na ambulância e que a médica do trabalho foi chamada posteriormente ao hospital para prestar atendimento.

“A autora pediu ajuda. Estava em sofrimento evidente e no oitavo mês de gestação de gêmeas”, pontuou o juiz Fernando Galisteu na sentença. Ele concluiu que a empresa agiu com omissão e negligência ao não garantir atendimento médico com a necessária celeridade.

A testemunha de defesa afirmou que havia cadeiras no setor onde a autora trabalhava, mas que seu uso era feito por rodízio, sem prioridade para gestantes. A sentença também destacou que a unidade produtiva emprega centenas de trabalhadores e conta com veículo para emergências, mas que não foi acionado.

“Não é crível supor que a autora, nas condições debilitadas em que estava, e no oitavo mês de gestação de gêmeas, se negaria a ir ao centro médico da ré, como pretende a defesa. Ao contrário, em seu depoimento, a autora afirma que pediu atendimento médico”, enfatizou o magistrado.

Conforme o juiz, mesmo se considerada a informação trazida pela empresa de que o trabalho de parto teria demorado 3 horas, ainda assim houve tempo suficiente para disponibilizar atendimento médico adequado, o que não ocorreu.

Protocolo antidiscriminatório

A sentença também aplicou diretrizes do Protocolo para Julgamento com Perspectiva Antidiscriminatória, interseccional e Inclusiva, elaborado pelo TST sob inspiração do Protocolo com Perspectiva de Gênero do CNJ e alinhado com os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável da ONU.

O juiz ressaltou que a autora é imigrante, mulher e gestante, reunindo camadas de vulnerabilidade que exigem do empregador maior diligência.

O magistrado citou também a Constituição e tratados internacionais como as convenções 155 e 187 da Organização Internacional do Trabalho (OIT). “As normas relativas à saúde e segurança no trabalho são de ordem pública, de indisponibilidade absoluta, e, portanto, de observância indispensável pelo empregador, o que deve ser observado com absoluta prioridade”, afirmou.

Ao fundamentar a condenação, o magistrado afirmou que o dano moral, nesse caso, é evidente e que a empresa descumpriu a obrigação constitucional e legal de assegurar segurança e saúde do trabalho. “Trata-se de ofensa de natureza gravíssima, com intensidade de sofrimento e humilhação inegáveis", escreveu o juiz ao fundamentar o valor da indenização por danos morais, fixado em R$ 150 mil. A decisão levou em conta também a exposição da funcionária a sofrimento físico e emocional extremo, em local público, à vista de colegas, e a ampla repercussão do caso na imprensa.

O juiz também reconheceu que a omissão da empresa tornou insustentável a manutenção do vínculo empregatício, caracterizando a rescisão indireta do contrato. Com isso, a trabalhadora terá direito ao pagamento de aviso-prévio, 13º salário, férias, FGTS com multa de 40% e acesso ao seguro-desemprego.

O juiz rejeitou a tese da empresa que apontou abandono de emprego da trabalhadora após o período de licença-maternidade. “A grave e injustificável omissão da ré é suficiente para tornar insuportável a manutenção do vínculo, caracterizando a justa causa patronal”, concluiu.

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