Globo Rural
A ordem executiva assinada pelo presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, nesta quarta-feira (30/7), acentua a incerteza em diversos setores do agronegócio, que vem calculando possíveis perdas com o que podem deixar de vender para os Estados Unidos.
Poucos produtos agrícolas entraram na lista de exceções da tarifa de 50% que valerá para as cargas que forem comercializadas em território norte-americano a partir de 6 de agosto. Apenas suco de laranja, castanhas e celulose não terão a taxação.
Café
O Conselho dos Exportadores de Café do Brasil (Cecafé) fala em uma "corrida contra o tempo" para reverter a situação ou, pelo menos, reduzir seus danos. Segundo o diretor-executivo da entidade, Marcos Matos, as negociações de isenção ou redução das tarifas passam a ser “país por país”, dependendo do produto.
“A entrada da taxa, que já era um cenário mais provável, não impede a nossa negociação. Em exemplos anteriores, vários países foram taxados e negociaram outros formatos depois”, frisa.
O Cecafé avalia que a relação bilateral com os Estados Unidos pode direcionar a um melhor cenário de tarifas para o café do Brasil. Hoje, os EUA importam cerca de 24% do grão brasileiro. São o principal cliente da cafeicultura brasileira. “Teremos de correr contra o tempo, conviver o menor tempo possível com essas taxas, tentar baixá-las e conseguir um diálogo. A grande questão é quando e como”, diz.
Máquinas agrícolas
Para a indústria de máquinas agrícolas, o tarifaço coloca um freio no otimismo. As vendas do setor no Brasil se mantêm em alta, mas o clima é de cautela. No início do ano, a Associação Brasileira da Indústria de Máquinas e Equipamentos (Abimaq) projetava crescimento de 8% nas vendas em relação a 2024, e a expectativa era de revisar essa estimativa.
Mas a decisão de Trump adiou a decisão. Segundo Pedro Estevão, presidente da Câmara Setorial de Máquinas e Implementos Agrícolas da entidade, a situação “acrescentou uma camada de incerteza” que pode afetar decisões de compra nos próximos meses.
“A medida tem repercussões tanto econômicas quanto comportamentais: enquanto os setores diretamente impactados já revisam planos, produtores de outras cadeias também adotam postura mais conservadora”, afirmou o executivo.
Carne
Os exportadores de carne bovina, que já contavam com uma taxa de 26,4% antes das sobretaxas anunciadas neste ano, totalizam agora 76,4% em tarifas. A medida inviabiliza os embarques ao mercado americano e força o setor a focar em compradores da Ásia e Oriente Médio.
“Nós vamos precisar buscar mercado lá fora para suprir essas nossas necessidades de demanda. O Brasil vai ter que focar em mercado asiático, no Oriente Médio, o mercado chinês, que é um parceiro comercial importante”, ressaltou Fernando Iglesias, analista da consultoria Safras & Mercado.
O presidente da Associação Brasileira das Indústrias Exportadoras de Carnes (Abiec), Roberto Perosa, afirmou que o setor exportador de carnes está preocupado após a ordem executiva do governo dos Estados Unidos.
“Os EUA são nosso segundo maior mercado e essa taxa inviabiliza a exportação de carne bovina aos Estados Unidos”, disse a jornalistas ao chegar no Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio, onde deve se reunir com o vice-presidente Geraldo Alckmin.
Segundo ele, a expectativa de impacto para o setor é de US$ 1 bilhão. "A nossa expectativa era exportar 400 mil toneladas de carne e nós não vamos conseguir com essa tarifa”, completou.
Paulo Mustefaga, presidente da Associação Brasileira de Frigoríficos (Abrafrigo), diz que a escalada de ações que prejudicam toda a economia brasileira é extremamente preocupante para o setor produtivo e toda a sociedade brasileira.
“Nenhum dos produtos da cadeia da carne bovina exportados para os EUA estão contemplados na lista de isenções. Mantemos nossa estimativa de perdas de vendas do Brasil para lá de US$ 1,3 bilhão em 2025 e de até US$ 3 bilhões no ano que vem, caso as tarifas não sejam revertidas”, afirmou Mustefaga.
Recentemente, a entidade estimou em US$ 1,3 bilhão o prejuízo para o setor com as tarifas norte-americanas apenas em 2025. Além da carne bovina resfriada ou congelada, o levantamento leva em consideração carne enlatada e o sebo bovino.
Pescados
A Associação Brasileira das Indústrias de Pescados (Abipesca), uma das primeiras entidades a pedir linha de financiamento ao governo federal, já fala em “colapso” se não houver ajuda do Executivo ao setor.
“Não há alternativas viáveis de mercado. O Brasil abriga uma cadeia produtiva de pescados altamente dependente das exportações para os Estados Unidos. Essa realidade agrava-se no caso de Estados como o Ceará, onde empresas têm sua operação diretamente atrelada a esse fluxo”, disse a Associação, em nota.
“A interrupção dessas exportações poderá desencadear uma onda de pedidos de recuperação judicial (RJ), uma vez que as empresas não terão capacidade de honrar seus compromissos financeiros. O impacto será severo e imediato, com repercussões sociais e econômicas profundas, especialmente em regiões onde a atividade pesqueira é a principal fonte de emprego e renda”, completou.
A entidade diz que mais de um milhão de pescadores profissionais serão afetados pela medida que a interrupção do escoamento da produção vai comprometer a subsistência de uma ampla rede de trabalhadores e comunidades, com reflexos na segurança econômica do país.
A Abipesca reforçou o pedido de apoio do governo federal. “Ignorar essa realidade é permitir o colapso de uma das mais importantes cadeias produtivas do agronegócio nacional, com efeitos em cascata sobre o emprego, a renda e a estabilidade de regiões inteiras”, concluiu, na nota.
Açúcar
Para Renato Cunha, presidente da Associação dos Produtores de Açúcar, Etanol e Bioenergia (NovaBio) e do Sindaçúcar de Pernambuco, o tarifaço terá um “impacto grande para o setor sucroalcooleiro do Nordeste”.
Isso porque algumas usinas da região usufruíam de uma cota de exportação aos EUA eram isentas de tarifa, o que permitia vender açúcar por um preço mais alto que os do mercado internacional, deixarão de ter esse benefício.
O volume, porém, era pequeno, e girava em torno de 180 mil toneladas ao ano, frente a uma produção anual que costuma ficar entre 3,6 milhões e 3,7 milhões de toneladas por ano. Com as novas tarifas, “podemos performar, mas passa a ser uma exportação menos quantitativa, que já é uma quantidade que não é expressiva”, avaliou Cunha.
ícil avaliar se alguma usina do Nordeste corre risco financeiro. “É difícil fazer uma previsão em um país e um mundo com tantas imprevisibilidades”, avaliou.
O dirigente ressaltou que a cota criava ainda uma demanda segura, o que não existe mais. “É importante a figura do refinador americano porque ele é um bom comprador. Não vamos desistir de uma parceria muito consolidada que temos”, defendeu.
Segundo Cunha, o setor sucroalcooleiro da região investiu em produção e logística para exportar açúcar os EUA, incluindo dois terminais portuários. “Até hoje fizemos tudo correto.”
Ficaram de fora das tarifas categorias de produtos, entre eles alguns derivados de celulose e petróleo, polpa e suco de laranja, algumas aeronaves civis e peças, alguns fertilizantes, produtos energéticos, ferro-gusa e metais preciosos.
Frutas
Produtores de manga da região do Vale do São Francisco calculam perdas de R$ 80 milhões com a tarifa Das importações do Brasil pelos Estados Unidos. Para Paulo Dantas, diretor da Agrodan, maior exportadora brasileira da fruta, que cultiva em 1.300 hectares, o impacto imediato será sobre pequenos e médios produtores.
“Muita gente planta pensando exclusivamente no mercado americano, especialmente da variedade Tommy, que responde por cerca de 70% do que é enviado para os Estados Unidos”, diz.
Ainda que a Agrodan esteja relativamente protegida neste momento por operar exportações ao longo de todo o ano e exclusivamente para o mercado europeu, o cenário é de preocupação generalizada. “Se a Europa começar a receber muita manga, o preço vai despencar”, avalia.
Suco de laranja
As indústrias de suco de laranja receberam com alívio a informação de que a commodity está isenta da tarifa de 50% para exportação aos EUA. O setor continuará pagando os atuais 10% de taxa.
Ibiapaba Netto, diretor-presidente da CitrusBR, entidade que reúne as principais companhias do setor, afirmou que o alívio vem junto com uma responsabilidade. “O setor entende que tem compromisso de continuar atendendo o mercado americano como faz há 60 anos”, afirmou.
O Brasil é o principal fornecedor de suco de laranja aos EUA, com 70% de tudo que eles importam, principalmente depois que a produção da Flórida foi dizimada pelo greening - doença bacteriana sem cura.
“Há 15 anos, a Flórida produzia 150 milhões de caixas de laranja de 40,8 quilos de laranja. Nesta safra, produziu apenas 11 milhões de caixas”, lembrou o executivo. “O consumo americano também caiu bastante nesse período, mas não de uma maneira tão acentuada como a produção”, acrescentou.
“Então, essa diferença entre o eles produzem o que consomem acabou aumentando a necessidade importação de suco.”
Segundo o executivo, as indústrias locais que recebem o suco de laranja brasileiro para engarrafar foi que demostraram ao governo americano nos últimos dias o impacto das tarifas nos empregos e na economia local, portanto, foram elas que explicitaram a necessidade isenção.
Setor florestal
No setor florestal, a celulose ficou isenta, bem como a madeira bruta. Já itens processados, como pisos, decks, móveis e compensados (wood frame) terão tarifa de 50%.
A expectativa da taxação já havia paralisado a produção em fábricas de Mato Grosso e do Sul do país. Contratos de exportação e embarques foram suspensos. Algumas indústrias deram férias coletivas, disse Frank Rogieri, presidente do Fórum Nacional das Atividades de Base Florestal (FNBF). “É um prejuízo enorme”, resumiu.