Ana Júlia Pereira - GD
Anuário de Segurança Pública indicou aumento de todo tipo de violência contra a mulher, em 2024. O levantamento foi divulgado em julho passado e traz dados alarmantes quanto aos crimes de gênero em Mato Grosso. No geral, 9 delitos contra as mulheres tiveram elevação em relação ao ano anterior, sendo eles, homicídio e feminicídio, lesão corporal dolosa em contexto de violência doméstica, ameaça, perseguição (stalking), violência psicológica e o crime de descumprimento de Medida Protetiva de Urgência (MPU).
Para a delegada Judá Marcondes, titular da Delegacia Especializada de Defesa da Mulher, este cenário de insegurança para as mulheres é furto de uma sociedade machista, pautada ainda no patriarcado. Mais do que leis para proteger mulheres, é preciso ensinar homens que sua honra não está no corpo feminino ou sua posse.
Há 10 anos, o Brasil promulgava a Lei n. 13.104/2015, que incorporava a noção de que a violência de gênero é um fenômeno estrutural e de que mulheres são mortas por serem mulheres. Pela legislação brasileira, o feminicídio está configurado quando a morte de uma mulher ocorre no contexto de violência doméstica e familiar ou em razão do menosprezo, ou discriminação, à condição de mulher. Ou seja, não se trata apenas de um crime contra a vida, mas de um crime com motivação baseada em gênero, o que o torna um crime de ódio.
Na lei de 2015, ele era uma qualificadora do homicídio, ou seja, uma agravante com pena entre 20 e 30 anos. Contudo, em 2024, a regra foi reformulada e colocou o feminicídio como um crime autônomo, com qualificadoras, que podem levar de 20 a 40 anos de reclusão, sendo metade dela cumprida em regime fechado.
Em Mato Grosso, no ano de 2024, cerca de 100 mulheres foram vítimas de homicídios ou feminicídios. Destas 100, 8 autores se suicidaram após o crime, e apenas 1 estava com sua medida protetiva ativa. No mesmo ano, 341 sofreram tentativas de homicídios e outras 66 foram alvos de tentativas de feminicídios.
Já em relação à violência doméstica, 9.287 relataram que foram vítimas de agressão. Outras 19.018 receberam ameaças, enquanto 2.221 foram perseguidas e 2.151 denunciaram violência psicológica. O anuário mostra ainda que 1.956 delas tiveram suas medidas protetivas descumpridas.
15 estados tiveram taxas mais altas do que a média nacional de 1,4 feminicídios por grupo de 100 mil mulheres, sendo a maior delas em Mato Grosso, com 2,5. No caso de mulheres assassinadas (todos os casos), enquanto a taxa nacional é de 3,4 mortes por grupo de 100 mil, 16 estados tiveram taxas superiores a essa, neste caso, Mato Grosso está em 2° lugar com 5,3.
Em relação ao perfil, o anuário destaca as maiores vítimas são mulheres negras (63,6%), jovens (de 18 a 44 anos, que representam 70,5% das vítimas), mortas dentro de casa (64,3%) por seus companheiros ou ex-companheiros (79,8%), assassinadas a facadas (48,4%) ou arma de fogo (23,6%) como instrumento do crime.
Em conversa, a delegada Judá Marcondes, titular da Delegacia Especializada de Defesa da Mulher, explicou que esses números em Mato Grosso são decorrentes de um estado ainda muito enraizado no patriarcado e no machismo.
“O fato de, desde nova, a mulher ser imposta a um relacionamento difunde na dependência emocional, muito mais que uma dependência econômica. São falas e conceitos como senta direito, não use vestidos curtos, agora que sabe cozinhar já pode casar, que reforçam que o principal papel da mulher na sociedade é se casar e cuidar da casa, esposo e filhos”, argumenta.
Devido a essa imposição, muitas mulheres entram e permanecem em relacionamentos abusivos, onde começam a sofrer violência psicológica e manipulação. “Os homens começam a monitorar os passos da mulher, impor um controle sobre elas com um ciúme exagerado. Assim, ela se isola, achando que é amor, quando, na verdade, ela está inserida num espiral de violência”, descreve.
A delegada explica que mesmo com leis fortes e recursos para proteger as mulheres, o entrelaçamento do patriarcado e o machismo impõe condutas a essas mulheres que potencializam as chances de serem vítimas de violência.
“Nós precisamos ensinar às meninas que elas devem priorizar sua profissão e que não aceitem esse tipo de violência. Mas também temos que ensinar aos meninos que a honra de um homem não está no corpo de uma mulher e, sim, no seu caráter. Isso porque muitos homens preferem matar as mulheres e se matar do que lidar com as consequências do crime que cometeu e assim manter a honra”, alega a policial.
Segundo a delegada, no ano passado, 17.910 mulheres pediram medidas protetivas, um aumento de 6% em relação à 2023, em que 16.834 medidas foram impostas. Isso significa que as mulheres estão decidindo se proteger da violência que sofrem dentro de casa.
“A maioria das mulheres não relata a primeira violência sofrida, mas sim algo que acontece há muitos anos. Elas tomam coragem após refletirem muito e, por isso, temos casos subnotificados. Atualmente, a medida protetiva garantida através da lei Maria da Penha, não permite que o homem venda a casa em que a mulher está, retira a arma do agressor, impõe tornozeleira eletrônica, para assim garantir uma proteção física, moral e patrimonial dessas mulheres”, esclarece.
As denúncias de casos de violência doméstica podem ser realizadas nos números 100, 180 e 181.